segunda-feira, 15 de abril de 2013


Organização social indígena

Extraído  Série Vias dos Saberes no 1.


Os povos indígenas no Brasil conformam uma enorme diversidade
sociocultural e étnica. São 222 povos étnica e socioculturalmente diferenciados
que falam 180 línguas distintas. Ë verdade que essa diversidade
é o resultado de uma drástica redução ao longo da história de
colonização, uma vez que já havia além de 1.500 povos falando mais de
1.000 línguas indígenas distintas quando Pedro Alvarez Cabral chegou
ao Brasil em 1500.
Os lingüistas organizam as línguas indígenas do Brasil em três troncos:
Tupi, Macro-Jê e Aruak. Mas existem algumas línguas que não se
enquadram em nenhum desses troncos lingüísticos.
Cada povo indígena possui um modo próprio de organizar suas relações
sociais, políticas e econômicas – as internas ao povo e aquelas
com outros povos com os quais mantém contato. Em geral, a base da
organização social de um povo indígena é a família extensa, entendida
como uma unidade social articulada em torno de um patriarca ou de
uma matriarca por meio de relações de parentesco ou afinidade política
ou econômica. São denominadas famílias extensas por aglutinarem um
número de pessoas e de famílias muito maior que uma família tradicional
européia. Uma família extensa indígena geralmente reúne a família
do patriarca ou da matriarca, as famílias dos filhos, dos genros, das noras,
dos cunhados e outras famílias afins que se filiam à grande família
por interesses específicos.
Toda organização social, cultural e econômica de um povo indígena
está relacionada a uma concepção de mundo e de vida, isto é, a uma
determinada cosmologia organizada e expressa por meio dos mitos
e dos ritos. As mitologias e os conhecimentos tradicionais acerca do
mundo natural e sobrenatural orientam a vida social, os casamentos,
o uso de extratos vegetais, minerais ou animais na cura de doenças,
além de muitos hábitos cotidianos. É a partir dessas orientações cosmológicas
que acontecem a organização dos casamentos exogâmicos
(casamentos cujos cônjuges pertencem a grupos étnicos ou sibs diferentes)
ou endogâmicos (casamentos cujos cônjuges pertencem ao
mesmo grupo étnico ou sib) e as divisões hierárquicas entre grupos
(sibs, fratrias ou tribos), que implicam o direito de ocupação de determinados
territórios específicos e o acesso a recursos naturais, bem
como o controle do poder político.
A organização política de um povo indígena geralmente está baseada
na organização social feita através de grupos sociais hierárquicos
denominados sibs, fratrias ou tribos. Fratria ou sib é uma espécie de
linhagem social dentro do grupo étnico, que está relacionada direta ou
indiretamente à origem do povo ou à origem do mundo, quando os grupos
humanos receberam as condições e os meios de sobrevivência. Os
sibs ou fratrias são identificados por nomes de animais, de plantas ou de
constelações estelares que, por si só, já indicam a posição de hierarquia
na organização sociopolítica e econômica do povo. Da mesma maneira,
os nomes dados aos indivíduos indígenas estão diretamente relacionados
ao sib ou à fratria a que pertencem, ou seja, à posição hierárquica
que cada indivíduo ocupa dentro do grupo.
Essa diversidade cultural dos povos indígenas demonstra a multiplicidade
de povos e das suas relações com o meio ambiente, com o
meio mítico religioso e a variação de tipos de organizações sociais, políticas
e econômicas, de produção de material e de hábitos cotidianos
de vida. Pode-se afirmar que os modos de vida dos povos indígenas
variam de povo para povo conforme o tipo de relações que é estabelecido
com o meio natural e o sobrenatural. Em razão disso, os lugares
e os estilos de habitação variam de povo para povo. Alguns escolhem
para morar as margens dos rios, outros, o interior da floresta e outros
mais, as montanhas. Alguns deles vivem em grandes malocas comunitárias,
outros habitam aldeias ovais compostas por várias casas ou
pequenas malocas, ou ainda, casas separadas e dispersas ao longo dos
rios e das florestas. Do mesmo modo, alguns praticam preferencial
mente a pesca, outros, a caça e outros ainda, a agricultura ou a coleta
de frutos silvestres.
Os tipos e as condições em que as relações acontecem com o meio
natural e sobrenatural também influenciam a qualidade de vida. Povos
que vivem em terras mais extensas e abundantes em recursos naturais
têm a possibilidade de uma vida mais rica, baseada em valores como a
solidariedade, a reciprocidade e a generosidade. Ao passo que os povos
que ocupam terras reduzidas e com recursos naturais escassos vivem
conflitos internos maiores, o que dificulta muitas vezes as práticas tradicionais
de reciprocidade e o espírito comunitário e coletivo.
As relações sociais mais fortes entre os povos indígenas são as de
parentesco e de alianças. Como já vimos, as relações de parentesco
estendem-se ao escopo de uma família extensa e são a base de toda
a estrutura social de um povo. As relações de alianças estabelecemse
a partir de necessidades estratégicas comuns entre os aliados e são
muitas vezes temporais. Deste modo, as alianças constituem a base de
interesses comuns compartilhados e recíprocos, uma espécie de troca.
Esses interesses freqüentemente estão relacionados à troca de mulheres,
ao compartilhamento de espaços territoriais privilegiados em recursos
naturais, aos interesses comerciais (trocas) ou às alianças de guerras
contra inimigos comuns.
São essas relações de parentesco e as alianças que dinamizam e organizam
as festas, as cerimônias, os rituais, as pescas ou as caças coletivas,
os trabalhos conjuntos de roça e a produção, o consumo e a distribuição
de bens e serviços, principalmente de alimentos. As festas, por exemplo,
são nada mais do que a comemoração de vitórias e conquistas, e podem
advir de uma boa coleta ou servem para festejar o sucesso dos pajés que
impediram qualquer castigo ou mal-feito dos inimigos. A participação
nas festas e nas cerimônias revela explicitamente as fronteiras das relações
de amizade ou de inimizade entre grupos ou povos, sempre com
uma lógica de reciprocidade, ou seja: aos amigos, cabe a reciprocidade
da amizade; aos inimigos, a reciprocidade da inimizade e a conseqüente
vingança. São as relações de alianças e de inimizades que constituem
o equilíbrio social dos grupos e dos povos, uma espécie de contrato
social. Sem elas, o mundo indígena seria um caos, ou melhor ainda, o
mundo da lei do mais forte.
De forma sucinta podemos afirmar que a base da complexa organização
social indígena está centrada nas relações de parentesco e
nas alianças políticas e econômicas que cada povo ou grupo familiar
estabelece. Os grupos de parentesco e de aliados formam potencial e
concretamente os grupos de organização que se constituem em verdadeiros
grupos de produção de bens e serviços. A distribuição e o
consumo de bens são orientados a partir de tais grupos. Quando um
caçador consegue uma caça, sua obrigação é distribuí-la em primeiro
lugar entre os membros da sua família extensa e somente satisfeita
essa obrigação é que ele poderá atender a outros membros ou mesmo
à comunidade inteira.