Diversidade cultural
indígena
Extraído
Série
Vias dos Saberes no
1.
A riqueza da diversidade sociocultural dos povos indígenas
representa
uma poderosa arma na defesa
dos seus direitos e hoje alimenta
o orgulho de pertencer a uma cultura própria e de ser brasileiro
originário.
A cultura indígena em nada se refere ao grau de interação
com a sociedade nacional, mas com a maneira de ver e de se situar
no
mundo; com a forma de organizar a vida social, política, econômica
e espiritual de cada povo. Neste sentido, cada povo tem uma culturadistinta
da outra, porque se situa no mundo e se relaciona com ele de maneira própria.
Estima-se que quando Cristóvão Colombo chegou pela primeira vez
ao continente americano, em 1492, ele era habitado pelo menos por
250
milhões de pessoas, que passaram a ser denominados de índios,
distribuídos
e organizados por milhares de grupos étnicos ou povos autóctones.
Apenas na região do atual México, estima-se que ali habitavam
naquela época mais de 30 milhões de índios, segundo relatos de
cronistas
e historiadores de então. Apesar do grande massacre implementado
pelos invasores europeus, os povos indígenas ainda somam
atualmente
mais de 50 milhões de pessoas espalhadas por todos os países da
América
do Norte, da América Central e da América do Sul. Segundo as
Nações Unidas, os povos indígenas constituem hoje uma população de
300 milhões de pessoas em 70 países.
São povos que representam culturas, línguas, conhecimentos e
crenças
únicas, e sua contribuição ao patrimônio mundial – na arte, na
música, nas tecnologias, nas medicinas e em outras riquezas
culturais
– é incalculável. Eles configuram uma enorme diversidade cultural,
uma
vez que vivem em espaços geográficos, sociais e políticos
sumamente
diferentes. A sua diversidade, a história de cada um e o contexto
em que vivem criam dificuldades para enquadrá-los em uma definição
única. Eles mesmos, em geral, não aceitam as tentativas exteriores
de
retratá-los e defendem como um princípio fundamental o direito de
se
autodefinirem.
Contrariamente ao que costumamos ler nos livros escolares,
pensados
e escritos a partir da ótica dos brancos invasores, os povos
nativos
do continente americano haviam desenvolvido grandes e avançadas
civilizações milenares muito semelhantes às indo-européias e, em
muitos
aspectos, até mais sofisticadas que elas. As civilizações astecas,
maias e incas em nada são inferiores às européias, exceto no
domínio
da arma de fogo. Elas criaram sistemas políticos muito semelhantes
aos do continente europeu, com grandes impérios, cidades-estados e
monarquias, com reis, imperadores e governos democráticos ou
monárquicos.
Muitas dessas civilizações indígenas tinham alcançado o
ponto máximo de desenvolvimento e a sua conseqüente decadência
muito antes da chegada dos europeus ao continente; outras foram
destruídas
por esses invasores.
Esta constatação histórica desconstrói a idéia predominante no
senso
comum de que os povos nativos do continente americano eram
inferiores
e primitivos em relação aos colonizadores europeus, pois não
pertenciam a nenhuma civilização. Desconstrói também a idéia de
que
foram os europeus que aniquilaram todas essas grandes civilizações
indígenas.
Ë verdade que algumas foram destruídas pela barbaridade dos
invasores, que se aproveitaram da superioridade que tinham na arte
da guerra com armas de fogo, cidades indígenas sendo completamente
arrasadas e queimadas. Mas muitas civilizações, como a asteca e a
zapoteca
no México, desenvolveram-se e entraram em decadência muito
antes da chegada dos europeus. Os motivos desse declínio
pré-contato
com o Ocidente ainda são desconhecidos, mas pode-se supor que
tenha
acontecido por causa de guerras intertribais, tragédias ecológicas
ou
ainda por limitações naturais.
No Brasil, não há indícios de que tenham sido desenvolvidas
civilizações
indígenas semelhantes às grandes da América Central e das
Terras Altas da América do Sul ou da Região Andina (na Cordilheira
dos Andes). O Brasil está localizado nas denominadas terras baixas
da
América do Sul, onde os povos nativos expandiram outras formas de
civilização igualmente milenares e sofisticadas, como a marajoara,
na
Ilha do Marajó, no estado do Pará. Os povos indígenas habitantes
do
território brasileiro são caracterizados por terem criado sistemas
políticos
baseados em grandes redes de alianças políticas e econômicas,
chamadas
confederações. Uma das mais conhecidas, a Confederação dos
Tamoios, ficou famosa por sua resistência e bravura no período
inicial
da colonização portuguesa.
Estimativas menos otimistas indicam que em 1500, quando da chegada
de Pedro Álvares Cabral, viviam no Brasil pelo menos 5 milhões
de índios. Há dados históricos e científicos suficientes para se
afirmar
que eram muito mais, uma vez que somente os Guarani representavam
pelo menos 1 milhão de pessoas à época.
Desta constatação histórica importa destacar que, quando falamos
de diversidade cultural indígena, estamos falando de diversidade
de
civilizações autônomas e de culturas; de sistemas políticos,
jurídicos,
econômicos, enfim, de organizações sociais, econômicas e políticas
construídas ao longo de milhares de anos, do mesmo modo que outras
civilizações dos demais continentes: europeu, asiático, africano e
a oceania.
Não se trata, portanto, de civilizações ou culturas superiores ou
inferiores, mas de civilizações e culturas equivalentes, mas
diferentes.
Deste modo, podemos concluir que não existe uma identidade
cultural
única brasileira, mas diversas identidades que, embora não formem
um conjunto monolítico e exclusivo, coexistem e convivem de forma
harmoniosa, facultando e enriquecendo as várias maneiras possíveis
de
indianidade, brasilidade e humanidade. Ora, identidade implica a
alteridade,
assim como a alteridade pressupõe diversidade de identidades,
pois é na interação com o outro não-idêntico que a identidade se
constitui.
O reconhecimento das diferenças individuais e coletivas é condição
de cidadania quando as identidades diversas são reconhecidas como
direitos civis e políticos, conseqüentemente absorvidos pelos
sistemas
políticos e jurídicos no âmbito do Estado Nacional.
A compreensão dessa diversidade étnica e identitária é importante
para a superação da visão conservadora da noção clássica de
Unidade
Nacional e Identidade Nacional monolítica e única, na qual se
pretende
que a identidade seja uma síntese ou uma simplificação das
diversas culturas