Não
é fácil definir o sistema crencionista dos Povos Originários do Brasil,
primeiro porque se trata de vários povos, com culturas diversas, segundo
porque, devido à grande movimentação destes povos pelo vasto
território brasileiro, os seus costumes e, portanto, também a sua crença
sofreram contínuas e profundas modificações através do tempo.
Os
antropólogos admitem em geral que se trata de povos de origem mongólica
(mongóis siberianos), que teriam atravessado do estreito de Bering, povoando o
continente americano desde o Canadá até a Terra do Fogo. É possível que algumas
levas de semitas, talvez de fenícios, tenham navegado até o México, e mesmo que
povos da Melanésia tenham abordado a costa do Pacífico, penetrando no interior
da América do Sul. Mas trata-se de hipóteses sem fundamento consistente, e, em
todo o caso, não foram tão importantes que alterassem de modo sensível a etnia
mongólica de nossos indígenas.
As
aparentes diferenças de cor da pele e de estatura corporal podem muito bem ser
explicadas pelo ambiente em que os nossos indígenas viveram e ao regime
alimentar que adotaram. Assim, os indígenas protegidos pela densa floresta
conservaram-se mais claros do que os dos cerrados, mais expostos ao sol, e os
que se alimentaram de caça se desenvolveram fisicamente mais do que os que só
tinham peixe por dieta.
Os
etnólogos admitem também quatro grandes áreas culturais: a Andina, que se
desenvolveu a partir do Paraná, com intensa agricultura, produzindo à
urbanização, a arquitetura, a indústria de tecidos e cerâmica, cujo expoente
máximo é o Império dos Incas; a do Círculo das Caraíbas (Antilhas, Colômbia,
Venezuela), de agricultura menos intensa e de organização social menos
refinada, mas com uma cerâmica expressiva; a da Grande Floresta, com agricultura
de subsistência, caça e pesca; a dos Cerrados, a mais pobre culturalmente,
caracterizada pela coleta de frutos, raízes, pequenos animais. A arqueologia,
por sua vez, admite que os primitivos habitantes da América do Sul se tenham
concentrado, primeiramente, em certas áreas verdes das cabeceiras dos grandes
rios, e só aos poucos povoaram o resto do continente sul-americano, à medida
que a floresta progredia pelas savanas e pelas margens fluviais. Este fato
esclarece até certo ponto que os indígenas da América do Sul, em particular do
Brasil, tenham formado desde tempos remotos grandes grupos linguísticos
distintos, pois os primitivos habitantes destas regiões tiveram de viver
milênios segregados em suas ilhas verdes, criando costumes próprios. Esclarece
igualmente o fato de nos últimos milênios se terem dado a uma grande
movimentação pelo território brasileiro, a ponto de o grupo Tupi-Guarani,
originário do território da atual Rondônia brasileira, se ter espalhado por
todo o território brasileiro atual, desde o Estado do Rio Grande do Sul até o
atual Amapá.
Acresce
que o estudo da crença de nossos indígenas foi bastante descurado pelos sábios
e mesmo frontalmente mal interpretado. Os antigos missionários católicos, no
afã de reduzir os indígenas à fé catolica, interpretavam apressadamente as suas
figuras míticas nos padrões da teologia católica, identificando, por exemplo,
Tupã com Javé e Anhangá com o demônio. De sua parte, os antropólogos modernos,
interpretam frequentemente as crenças dos nossos indígenas dentro de padrões
socioeconômicos atuais, que tira todo o sentido original da crença de nossos
aborígines.
Os
Sistemas de crenças Indígenas
Desta
forma, é muito difícil definir, como foi dito, o sistema religioso de nossos
indígenas, e só muito por alto podemos enquadrá-lo nas formas estereotipadas de
animismo, totemismo, xamanismo. Preferimos, por isso, descrever os elementos
religiosos que mais chamam a atenção dos estudiosos, sem lhes dar uma
interpretação definitiva. No entanto, não podemos deixar de ressaltar os
elementos xamãnicos, como a crença em um Ser Superior, de caráter celeste, em
espíritos também celestes, que intervêm na vida dos homens e nas atividades do
pajé, lembrando de perto as atividades do xamã siberiano (transes extáticos,
invocação e domínio dos espíritos).
Os
ritos são de tipo socioeconômico (ritos de caça, de pesca, de guerra),
notando-se a ausência de um culto especifico a alguma figura divina, a não ser
entre os Aruaque e Caraíba, talvez por influência de povos vizinhos, como os
Chibcha, de cultura superior.
Resumindo,
podemos dizer que os grupos indígenas, que povoaram o Brasil antes do advento
dos portugueses, não chegaram a um conceito claro da divindade, menos ainda a
cultuar publicamente um deus único, mas certamente tenderam a um monoteísmo
implícito na figura de um Ser Superior.
A
menor ou maior manifestação deste monoteísmo primitivo está condicionada ao
sistema de vida que os diversos grupos tiveram de adotar conforme o ambiente em
que viveram: a de simples colhedores, em plena floresta tropical; a de
caçadores, nos cerrados; e a de incipiente agricultura nas regiões mais
férteis.
A
vida errante, a que foram compelidos pelas condições adversas do clima e pelas
continuas lutas entre os grupos, impediram a elaboração mais refinada de suas
crenças e o desenvolvimento de um culto específico.